quarta-feira, 5 de maio de 2010

O fim do mundo, de segunda a sexta, às 20h. - Martha Medeiros


Rapaz é ofendido e por isso mata duas crianças e um adolescente que passeavam de bicicleta. Ainda sem solução o caso do calouro de Medicina que foi encontrado morto numa piscina depois de uma sessão de trotes. Guarda mata por engano um rapaz que foi buscar a namorada no colégio. Vereador acusado de agiotagem. Prefeituras desviam verba destinada à educação. Deslizamento de terra mata 41 pessoas na Colômbia. 48 casas incendiadas numa cidade americana. Pilotos condenados a pagar 42 milhões de indenização por causa de uma greve ilegal. Cinco dias antes de ser executado, um teste de DNA prova a inocência de um preso que cumpria pena há 12 anos. Toneladas de remédios estragam num galpão da Secretaria de Saúde de Minas. Força de Paz é recusada em Kosovo. Massacre dos Carajás faz três anos sem nenhum culpado punido. Os kits de emergência que foram obrigatórios nos carros são doados a hospitais. Um temporal deixa dois mil desabrigados numa pequena cidade. Previsão de neve no sul do Brasil. Mulher viúva há nove meses ainda não conseguiu enterrar o marido, que foi considerado indigente quando deu entrada no hospital. Policiais fazem treinamento para conter uma manifestação antiaborto nos EUA. Banco Central gastou um bilhão e meio para socorrer os bancos Marka e Fonte Cindam. FHC rebate as críticas que sofreu da CNBB. ACM debocha de FHC. Fronteira do Suriname é a nova porta de entrada da cocaína no Brasil. Uma parte do ouro garimpado no Pará serve para pagar traficantes. Boa-noite.

Esse não é um resumo dos males do século, e sim as notícias que foram ao ar pelo Jornal Nacional na sexta passada, 16 de abril, uma data que escolhi aleatoriamente. Dei-me o trabalho de anotar absolutamente tudo o que foi noticiado, boquiaberta com tanto descalabro em apenas 45 minutos de uma única edição jornalística. Excetuando-se a doação dos kits aos hospitais e a chegada da neve na serra gaúcha, o resto são exemplos de negligência, ignorância, brutalidade, abusos, desgoverno e, vá lá, fatalidades.

Muita gente acredita que o mundo terminará numa explosão atômica ou na queda de um meteoro gigante, qualquer coisa assim, apocalíptica. Começo a achar que não. Talvez o fim do mundo já esteja sendo vivido, só que em doses homeopáticas, um pouco a cada dia, pra gente se acostumar com a dor.

Abril de 1999

Texto extraído do livro "Trem Bala"


O CARA

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